Quando pautamos alguma demanda na nossa rotina de trabalho como designers, a primeira coisa que fazemos é buscar referências externas de mercado. Isso à primeira vista faz muito sentido, a busca por exemplos exitosos na área de desenvolvimento do job em questão nos indica um norte criativo para onde podemos direcionar nossos esforços. Porém, quando nos envolvemos com problemas locais e identificados com a comunidade em seu senso coletivo, precisamos adicionar camadas de percepção.
É o que ilustra em seu texto “Os melhores designers do mundo?” o designer Victor Papanek (capítulo 11 do livro “Design for the Real World”). O autor relata no texto uma viagem que fez ao norte do Alasca para visitar o povo Inuit na década de 40 (os quais erroneamente nos referimos como “esquimós”). Partindo do preceito de que o designer se intitula como o profissional que “soluciona problemas”, ele foi em busca de como aqueles grupos de pessoas, que viviam praticamente isolados da civilização moderna, se adaptaram à sua realidade e solucionaram seus problemas do dia a dia.
A sobrevivência naquela região era algo quase que incogitável. Temperaturas extremas, ventos impiedosos e a falta de matérias-primas comuns eram alguns dos desafios primários dos Inuits. Dessa forma, a maioria de seus artefatos eram normalmente concebidos a partir de couro, ossos, dentes, penas e pêlos dos animais que viviam na região. O vestuário era desenvolvido em camadas, mais rígidas externamente, e flexíveis na parte interna.
“O vestuário Inuit mostra como, num clima extremamente inóspito, as roupas vão buscar certas características à arquitetura. Tem espaços de isolamento: fechos e capas que servem de vestíbulos e câmaras de vácuo – e a camada mais interior em contato com a pele é constituída por roupa almofadada com penas para criar uma camada quente. A camada mais exterior é cuidadosamente concebida para proteger da neve, gelo e água, e funciona como um telhado com costuras bem definidas que escoam a água. Recentemente, os Inuit fizeram experiências com substitutos plásticos e pele artificial e consideraram os resultados literalmente mortais. Os óculos protetores para a neve são geralmente feitos de madeira flutuante ou, de preferência, dente de morsa fossilizado. Os óculos de sol ou óculos protetores de esqui europeus não podem ser usados – as armações de plástico ficam estilhaçadas por causa das temperaturas baixíssimas, enquanto as armações de metal apresentam perigos óbvios a -75°F (-59°C). As aberturas para os olhos são muito estreitas para evitar a cegueira causada pela neve, mas terminam em aberturas redondas para permitir uma maior visão periférica. A forma como são talhados faz com que se ajustem muito bem ao rosto e são também muito estreitos, para que as bochechas fiquem totalmente expostas: é assim que até mesmo as mais tênues mudanças na direção do vento e umidade são sentidas – importantes métodos de apoio à navegação quando se atravessa um terreno coberto de neve.”
Papanek define os Inuit como os supostos melhores designers do mundo, não pelas características estéticas e teorias filosóficas e aritméticas aplicadas aos seus artefatos e ferramentas, mas sim pela sua simplicidade e adequação às necessidades imediatas. O uso dos materiais locais, da maneira tradicional em que se foram empregados, resolviam seus problemas plenamente. Os mesmos estavam integrados à cultura local há centenas de anos e, portanto, estavam já entrelaçados ao imaginário e ao místico daquele povo. Uma solução externa, vinda de outro país, com materiais tecnológicos e raros, acabaria por prejudicar a integridade física e descaracterizar as expressões culturais e históricas.
Portanto, de nada adianta estarmos munidos de um grande moodboard de referências “gringas”, se não buscarmos entender os verdadeiros anseios locais e necessidades que as pessoas que irão interagir com a nossa criação têm. O entendimento e a assimilação de um fato novo do dia a dia parte diretamente da identificação e da representatividade para aqueles que o incorporam.